A Natureza Dinâmica do Kata
Uma Entrevista com Steven R. Cunningham6º Dan, Judô Kodokan,7º Dan, Takagi Ryu Jujutsu,6º Dan, Mugen Ryu Caratê,porLinda Yiannakis3º DAN, USJA,© 1998 Linda Yiannakis todos os direitos reservados
Steve Cunningham é uma autoridade respeitada no meio das artes marciais e, particularmente, em Judô Clássico. Cunningham começou o estudo do Judô com 6 anos de idade com Taizo Sone, que era um estudante direto de Jigoro Kano e uchideshi de Hidekazu Nagaoka (10º dan). Cunningham foi treinado em todos os aspectos do Judô tradicional e era uke e uchideshi de Sone Sensei. Ele é bem versado em história japonesa, filosofia, idioma e cultura, e é ainda perito com a espada e Jo (bastão), como também em outras armas utilizadas no campo de batalha. Cunningham Sensei ensina Judô Clássico e Takagi-Ryu Jujutsu na Ju Nan Shin Martial Arts Academy, em Manchester, Connecticut.
O Kodokan hoje reconhece vários katas oficiais. Quais são as origens de cada um destes katas e o que cada um deles contribui ao programa completo de Judô?
A quantidade de katas depende da forma como você os conta. O conjunto dos dois primeiros katas ensinados tradicionalmente é denominado Randori no Kata. Estes são o Nage no Kata e o Katame no Kata. O Nage no Kata é a Forma de projetar e o Katame no Kata é a Forma de Lutar no Solo. Os katas, especificamente, não são utilizados como meio para ensinar a fazer randori, mas grande parte deles são compostos por técnicas que também são utilizadas em randori. O Kodokan, tradicionalmente, diferencia entre waza de randori e waza de goshin (defesa pessoal). Wazas de Randori são técnicas mais apropriadas para randori e shiai, enquanto que os wazas de goshin são técnicas que não são apropriadas para randori e shiai. Agora essa afirmação não quer dizer que os wazas de randori também não possam ser usados em autodefesa. Significa simplesmente dizer que entre todas as técnicas, essas são as únicas permitidas em randori, diferente daquelas essencialmente para defesa pessoal. Citemos o Kote gaeshi, ou seja o lançamento com torção de pulso, seria um bom exemplo de Goshin waza, entretanto não é legal aplicar essa técnica em randori. Mas, certamente, nós aplicaríamos O Soto Gari em autodefesa. Foram desenvolvidos ambos os katas, eu penso, em 1888. Depois eles foram modificados e então unificados com duas principais revisões: uma no verão de 1905, e outra no verão de 1907. Isto estava previsto e foi elaborado pelo Comitê do Programa de Kata, reunido por Kano, composto por vários mestres do Kodokan e de vários ryus (escolas) que tinham concordado em ajudá-lo. Foi realmente um grupo de pessoas ilustres que trabalharam nesse programa. O Nage no Kata é baseado em ataques orientados pela autodefesa. Ensina os princípios da estratégia de combate. O Katame no Kata, por sua vez, incorpora técnicas que não são diretamente aplicáveis, na maioria dos casos, para autodefesa. Ambos os katas, entretanto, dão muita perspicácia em como as várias estratégias de combate são aplicadas em randori. Às vezes o Gonosen no Kata é incluído no Randori no Kata, entretanto este não consta da lista de katas oficiais aprovada pelo Kodokan de hoje. O Gonosen no Kata foi criado por Kyuzo Mifune, décimo dan.
Nós também temos o Ju no Kata que é uma forma antiga. O Ju no Kata é a Forma da Sutileza ou da Flexibilidade. É projetado para dar ao praticante um sentimento de compromisso, no qual há um ataque e uma defesa, em respostas mútuas, e assim por diante você adquire com esta troca recíproca, respostas flexíveis para cada movimento que se desdobra. Por causa da natureza desse kata, os ataques e as defesas são totalmente abreviados e o princípio de ju é realçado. Nage no Kata, Katame no Kata e Ju no Kata foram todos concebidos por Kano. Existem muitas influências nos katas. O Ju no Kata, especificamente, não foi limitado somente por influências do Tenshin Shinyo (também chamado por alguns como Tenjin Shinyo) e Kito, assim existem nele muitas técnicas que nós, conhecedores de outros ryus, podemos identificar. Saliente-se que Kano teve um estudo muito rico dos diversos estilos de jujutsu, e assim ele pôde incorporá-los.
Nós ainda temos o Kime no Kata. “Kime” é uma palavra interessante, recorre a algum tipo de decisão. A pessoa pode pensar nisto em termos de uma decisão de um tribunal, uma adjudicação onde algo é decidido. E assim há um senso de finalidade e decisão, como também uma sugestão de um senso de contrato, de acordo, como nos antigos duelos. Seria uma forma de luta de vida-e-morte. Foi chamado primeiramente de Shinken Shobu no Kata, que quer dizer a forma de luta real. E assim essa forma incorpora várias armas, as quais constituiam os reais ataques que poderiam ser realizados naquele tempo de Kano. O Kime no Kata foi elaborado por Kano, projetado para encarnar as informações trazidas do Tenshin Shinyo Ryu. Dessa forma, ele traz um pouco das técnicas conglomeradas nos katas do Tenshin Shinyo Ryu. Os conhecedores sabem da semelhança que existem nas técnicas desse kata com o estilo Tenshin Shinyo Ryu, cujos golpes de atemi são freqüentes.
Outro kata é o Koshiki no Kata. Koshiki no Kata quer dizer a “Forma Antiga”. Koshiki é essencialmente o kata central da escola Kito Ryu. É uma forma muito elevada. Tem muito contexto etéreo. Kito Ryu quer dizer "subir-cair" e se reflete no yin-yang da filosofia chinesa. É uma forma muito significativa. Focaliza a arte de uma forma muito elevada. É pensando neste momento que os participantes estão acima do simples agarrar-empurrar-puxar, princípios de alavancas, impulso e assim por diante, e eles se movem a um ponto no qual estão se expressando pela técnica e aplicando essas mesmas técnicas baseados em conceitos de ritmo e movimento. O Koshiki e o Kime no Kata são projetados para apresentar esses conhecimentos dos antigos ryus, nos quais Kano se iniciou no Ju-jitsu, ou seja, o Tenshin Shinyo e Kito Ryu, juntos. Eles dão um entendimento de que os antigos ryus se pareciam. Eles também nos mostram um exemplo de como as técnicas dos velhos ryus podem ser preservadas no programa do Kodokan. Assim eles são levados adiante no programa público para demonstrar como os ryus antigos estão sendo preservados.
A idéia também é que o programa básico do Kodokan: o Go Kyo, o Nage, Katame e Ju no Kata, lhes dão a fundação, a base para entender o Kime e o Koshiki no Kata, pois estes operam em um nível mais alto. Eles têm princípios mais avançados e foram projetados para ensinar coisas como estratégia, ma-ai, riai, e outros tipos de conceitos mais elevados. Eles são projetados, inclusive, para ir mais além até mesmo destes fundamentos. Assim fazer Kime ou Koshiki sem ter primeiramente um bom fundamentando dentro do Go Kyo e do Randori no Kata, seria um pouco sem sentido. O praticante estaria totalmente desprevenido para entender em profundidade as lições que estes katas podem transmitir.
Também no programa do Kodokan existe o Kodokan Goshin Jutsu. Note que não é chamado Goshin Jutsu no Kata. Isto é porque entende-se que o Goshin Jutsu é um plano de estudo de técnicas de autodefesa (waza de goshin), ao invés de ser formalmente um kata, embora seja demonstrado freqüentemente desse modo. O Goshin Jutsu foi elaborado nos anos cinqüenta, quando 21 mestres vieram construir uma forma modernizada de autodefesa a ser ensinada no Kodokan. O mais influente e provavelmente o mais conhecido por nós no ocidente, desses integrantes da Comissão, era Tomiki. Kenji Tomiki foi um estudante direto de Kano e também foi, por arranjo do próprio Mestre, aluno de Ueshiba, da escola de Aikido. Tomiki também foi enviado para aprender outro ryu tradicional, por ordem de Kano, com pessoas que este conheceu e tinha feito esse acordo, tais como Aoyagi do Sosuishi Ryu (também pronunciado Sosuishitsu Ryu) e outros. Todos aqueles antigos conhecimentos foram trazidos para subsidiar a elaboração do Goshin Jutsu moderno. Haviam técnicas de Goshin Jutsu antigas que já não eram mais praticadas. Estas estavam descartadas, escondidas, deixadas de fora por várias razões, e havia um sentimento de que havia necessidade de um Goshin Jutsu, mas o Kodokan quis uma versão modernizada. E de forma que foram chamados esses instrutores e lhes pediram que construíssem esta arte. Assim, tudo foi projetado para ensinar os wazas de goshin (defesa pessoal), considerando que o Nage e o Katame no Kata ensinam os wazas de randori.
Um kata que Kano elaborou na década de 1880, foi o Seiryoku Zenyo Kokumin Taiiku no Kata. “Seiryoku Zenyo” é o que nós nos referimos freqüentemente como o princípio da eficiência máxima. Na verdade pretende este kata ensinar como usar suas energias de um modo mais efetivo. “Koku” que dizer “país”, e “kokumin” quer dizer “nacional”, enquanto que “Taiiku” se refere a um sistema de exercício. Literalmente, Seiryoku Zenyo Kokumin Taiiku é um “sistema de exercícios nacional baseado no princípio da eficiencia máxima. É um kata que contém técnicas executadas em Idori (ajoelhado), sendo é um do poucos katas com essa característica que existe no Judô nos dias de hoje. É composto de técnicas de atemi, sendo indicado para o aprendizado dos princípios básicos de atemi, seja chutando ou socando.
Também há o Joshi Goshinho e o Kime Shiki que também são chamados de kata por algumas pessoas. Eu pessoalmente não os vejo dessa forma, mas o Kodokan os trata como kata nos dias de hoje. Estes katas foram elaborados por Jiro Nango, o qual era o sobrinho de Kano e assumiu a diretoria do Kodokan depois que o Mestre morreu. Ele administrou o Kodokan durante os anos da 2ª Guerra Mundial. Kano tinha se preocupado com o destino do Kodokan, uma vez que o exército havia designado aquele Instituto como um lugar para o treinamento de soldados para combate. Para aquela finalidade, foram utilizados muitos métodos antigos de goshin jutsu que estavam em desuso e não eram mais ensinados publicamente. E depois que 2ª Grande Guerra terminou, as Forças de Ocupação impediram o Kodokan de operar durante algum tempo. Quando voltou a funcionar, estava sob algumas restrições. E assim, as técnicas de Goshin Jutsu não foram mais ensinadas. Então Jiro Nango procurou elaborar o Kime Shiki e o Joshi Goshinho porque verificou que havia uma necessidade de se preservar as técnicas de autodefesa para as mulheres, na Divisão das Mulheres. É entendimento meu que Jiro Nango não era um Judoka de verdade, e na realidade ele teve o seu treinamento em Daito Ryu Jujutsu. Nós nos esquecemos que o Kodokan, naquela época, era um centro de atividade de artes marciais e não somente de Judô, como nós o encontramos hoje. Haviam muitos mestres de outras artes no Kodokan. Como exemplo, por volta dos anos vinte ensinavam-se técnicas de Jo (bastão) no Kodokan, e assim haviam muitas pessoas praticantes de artes marciais diferentes. Tudo isso levou a um senso de que havia necessidade de serem preservados certos conceitos, os fazendo neste kata, que passou a ser ensinando na Divisão das Mulheres. Na sociedade altamente macho-dominante japonesa e até mesmo durante o período das forças de ocupação, as atitudes eram muito machistas, e assim não havia muita preocupação ou mesmo desconsiderava-se o que se estava fazendo na Divisão das Mulheres. Dessa forma, esse trabalho de Jiro Nango funcionou muito bem nessas condições.
O Kodokan passou para o comando de Risei Kano na época da Guerra coreana. Eu acredito que Risei Kano era um filho adotado de Kano, e ele também não era um Judoka. Assim, a liderança dentro do Kodokan mudou muito desde o tempo em que Kano estava vivo, cabendo a parte técnica exclusivamente aos demais diretores, e isto teve um certo de efeito na construção dos kata.
Também há um Renkoho moderno, composto de métodos de apreensão destinados a oficiais de execução da lei. Eles são basicamente uma dúzia de técnicas ensinadas para controlar alguém que está sendo agressivo de algum modo, conduzí-lo e, talvez, o algemar. Haviam versões mais antigas de Renkoho, bem como Katas, mas eles já não são praticados no Kodokan. Também existe o Itsutsu no Kata. Itsutsu é um modo arcaico de dizer “cinco”. Nós pensamos em ichi, ni, san, shi, mas também há hitotsu, e assim por diante, que é um antigo jogo japonês de números. Itsutsu no Kata é a Forma dos Cinco, formado por cinco técnicas. Foi elaborado por Kano como o último kata. É freqüentemente chamado de “kata inacabado”, porque as técnicas são aparentemente não nomeadas. Kano teve muita dificuldade ao tentar destilar tudo o que sabia e encontrou nas artes marciais, em um número mínimo de princípios. Ele imaginou que haviam cinco princípios administrativos nos quais toda arte marcial era baseada. Este número cinco não é um mero acaso. O número cinco tem muita significação na filosofia japonesa e chinesa. Eles acreditam que existem cinco elementos no céu na terra e que toda criação é composta de cinco elementos. Da mesma maneira que nós, com a ciência moderna, pensamos que tudo é formado pelos 108 elementos constantes da tabela periódica, e tudo é derivado destes. Para o japonês e o chinês existem cinco elementos fundamentais dos quais todos os outros foram derivados. Assim, para Kano, foi muito lógico ter vislumbrado esses cinco princípios deste ponto de vista filosófico. Mas Kano não foi, originalmente, quem propôs essa conexão. Os cinco princípios também tinham sido ensinados por versões mais antigas de Oshikiiuchi, como também nos estilos Takeuchi Ryu e Takagi Ryu. Eles possuiam os mesmos princípios ou alguma variante do pensamento de Kano, que ainda poderia ser entendido dentro desses mesmos princípios. Assim, onde algum ryu (escola) imaginou que os seus cinco princípios seriam diferentes de outro ryu, Kano pensou que tinha achado, com seus estudos, os cinco princípios que resumiam todos os outros. Eles são descritos freqüentemente através de referência a fenômenos físicos, de forma que eles tenham alguma expressão tangível pelo menos. E assim uma técnica poderia ser modelada pela idéia de uma onda do mar que varre a praia superando os obstáculos. Dessa forma, Kano criou a tese de que haviam cinco componentes básicos, demonstrados naquele kata. Na sua concepção, não seria conveniente lhes dar um nome, tal como o nome de uma projeção. Mas eles estão lá e são os alicerces do ryu, e dessa forma, são bastante importantes. Itsutsu é o kata mais elevado, apesar de contar apenas com cinco técnicas. Kano pensou que alí a arte deveria culminar. Ele acreditou que os movimentos do Judô deveriam partir do específico para geral. Eu ouvi algumas pessoas discutirem aqueles movimentos do Judô do geral para o específico. Pessoas discutem que as técnicas básicas, tais como O Goshi, Seoi Nage e O Soto Gari são únicas e têm maior utilização prática, uma vez que são as mais gerais, enquanto que as técnicas avançadas só são úteis em situações muito estranhas, muito sem igual, e então não têm muito valor. Essas pessoas são muito específicas no seu raciocínio. Acredito que na realidade Kano havia planejado para a sua arte operar na direção oposta, onde você partiria do específico para o geral, e aprenderia a resumir completamente as técnicas individuais, passando a operar completamente dentro dos princípios. E quando isso acontecer, você possuirá o verdadeiro poder da arte. Se alguém me agarra pela frente, e eu penso: “Ok, se eu puxo aqui e empurro lá e viro meu corpo, executo a varredura deste modo...”, até que eu entendesse tudo isso, após uma análise em busca de uma base técnica, eu fui jogado ao chão. Mas se eu entendo alguns princípios que me ensinam que quando algo assim acontece, eu simplesmente adoto tal posicionamento, isto é o que você faz, baseado apenas nos princípios, então eu sou muito mais rápido, muito mais efetivo e há muito mais senso no que eu faço. Kano estava tentando purificar o Judo para atingir uma arte de forma mais elevada, com técnicas superiores. Isso é onde a pessoa quer chegar; você quer estar operando naquele nível, enquanto respondendo aos fluxos, aos movimento, ao ritmo do que está acontecendo, as pressões em seu corpo, e realmente não pensando em técnicas individuais. Isso é quando você ficar efetivo; isso é quando você ficar capaz se defender na rua. Nós ouvimos freqüentemente que o Mestre Kano teve pessoas como Yamashita, Yokoyama, Saigo e outros, que vieram de outros ryus, e então alguns anos depois Kano os tem lutando para ele. Eles ficaram legendários por causa das vitórias que obtiveram para o Kodokan nos grandes torneios. Eu estou pensando, em particular, no grande torneio de 1886, quando eles tiveram uma competição por equipe e o Kodokan bateu outro ryu de Jujutsu. Algumas pessoas discutem que os meios através dos quais realmente Kano construiu o Kodokan fundou-se nas forças destas pessoas que haviam estudado em outras escolas de Jujutsu e que ele realmente não lhes ensinou muito. A realidade era que eles não eram os campeões que se tornaram até que conheceram Kano e estudaram com ele. A habilidade sem igual dele (Kano) era a perspicácia; a habilidade para realmente entender o que ia ao centro de certas coisas, e como ensinava isso às outras pessoas de forma que elas passavam a operar em outro nível, de acordo com os princípios mais elevados. E assim ele mostrou o que eles já sabiam e os fez melhorarem, lhes mostrando os princípios internos, o funcionamento interno do que eles já estavam fazendo. E isso é o que este programa é projetado para fazer.
Existem outros katas que não são reconhecidos atualmente pelo Kodokan, tais o Go no Kata, Ippon Yo Goshin Jutsu no Kata, Gonosen no Kata, e outros. Quais são as origens e natureza destes denominados “katas esquecidos” e por que você acha que eles não são mais conhecidos?
Há várias razões que levaram estes katas a serem “esquecidos”, “perdidos”. O Go no Kata, por exemplo, era o Kata da Dureza que é a contrapartida do Ju no Kata, que é o Kata da Suavidade. Go e Ju são os opostos no pensamento japonês. Kano era bastante insistente que o princípio central do Judô não era realmente Ju. Esta é uma concepção muito errônea. Ele pensou que nós tendemos a caracterizar a arte marcial Jujutsu através de Ju porque é o modo aparente de operação que aquele princípio nos dá para a utilização da força. Ju também tem o significado, entretanto, do que é flexível, que a pessoa é ágil e usa flexibilidade e agilidade para ganhar. Ju também tem o sentido de que o corpo responde aos estímulos. E o corpo atendendo aos estímulos, tudo o que eu quero ele pode fazer. Isso insinua um tipo de coordenação mental e física, traduzindo-se em um tipo especial de agilidade, o qual, provavelmente, é um modo muito melhor para identificar o Jujutsu como uma arte marcial. E assim há força a ser utilizada no Judô. Há dureza a ser bem utilizada noJudô, e isto é por que Kano não fez para o princípio de Ju o princípio controlador do Judô. Na verdade, ele identificou o seiryoku zenyo como o princípio controlador porque este tem uma aplicação mais geral. Kano disse que há momentos em que é apropriado não ceder e há momentos em que é apropriado ceder. Quando alguém derrota o seu oponente, da forma como existem tantos exemplos nas competições de Jujutsu (Judô), onde este princípio é largamente aplicado, o nome Jujutsu, ou a “arte da gentileza”, se tornou o nome da arte inteira. ... Mas no sentido exato, real, Jujutsu é algo mais. O modo de obter vitória sobre um oponente através do Jujutsu não é limitado a ganhar apenas cedendo.
O ponto central desse raciocínio é que em toda ocasião você usará os meios mais apropriados, os meios mais eficientes. E isso é o que é expressado em seiryoku zenyo. É óbvio que Kano não quis que aquela concepção errônea continuasse, porque nas suas conferências ele falou freqüentemente sobre este problema, assim ele quis ter um Go no Kata para contrabalançar o Ju no Kata, e criou um. O kata foi elaborado certamente no final do século XIX. Isso é uma coisa importante para reconhecer, porque algumas pessoas discutem que ele construiu o Go no Kata pensando em incorporar o Karatê de Okinawa no Judô japonês e que ele teria adquirido essa idéia depois de ficar amigo íntimo de Gichin Funakoshi, o fundador do Karatê Shotokan. É verdade que Kano e Funakoshi eram bons amigos. Mas Kano foi instrumental, trazendo Funakoshi para o Japão. Ele o levou debaixo de sua proteção; ele lhe mostrou os caminhos. Eles falaram muito sobre o futuro das artes marciais. O moderno Karatê-Do, ao invés de Karatê-Jutsu, é o resultado de Funakoshi reconhecer que a iniciativa de Kano em transformar o Jujutsu em Judô era uma boa idéia. Na era moderna, com armas de fogo e similares, poderia não ser extremamente importante para o estado feudal militar, que também já não existia, continuar o treinamento das artes marciais. Mas o valor de se treinar arte marcial nunca havia mudado. Assim o Karatê deveria continuar sendo praticado, mas com uma visão voltada para desenvolver o indivíduo. Assim, Kano e Funakoshi foram bons amigos; o Shotokan foi ensinado tradicionalmente no Kodokan, e eles discutiram técnicas e métodos juntos. Kano até mesmo aprendeu alguns dos katas de Karatê. Mas tudo isto aconteceu no final do século dezenove, não antes de 1900. As pessoas têm que perceber que Funakoshi era bem mais jovem que Kano e que ele não seria experiente o bastante para estar instruindo Kano na ocasião em que este elaborou o Go no Kata. O fato de que existem muitos atemis e outras técnicas similares no Go no Kata, não é uma indicação de que vêm do Karatê, mas sinaliza que existem muitos elementos semelhantes do Karatê no Jujutsu. Na realidade, quando Funakoshi viu uma exibição de Jujutsu, supostamente realizada por Hironori Otsuka, que era menkyo kaiden do Shin no Shindo Ryu, do Mestre Nakamura, dissem que Funakoshi correu até Otsuka e disse: “Você estudou To-de [o nome antigo para Karatê] em Okinawa?” E Otsuka disse que não, que ele só tinha praticado o Jujutsu. E assim Funakoshi descobriu que haviam muitos elementos comuns nas duas artes. Otsuka se tornou um estudante de Funakoshi e no final das contas se tornou o fundador do Karatê Wado Ryu. Wado quer dizer o modo harmonizado, e ele estava harmonizando, ou seja, estava misturando o Jujutsu com o Karatê. O atemi era muito forte no Jujutsu, e na realidade a Tenshin Shinyo Ryu era um das escolas de atemi mais proeminentes. Kano tinha aprendido essas técnicas desde a sua mocidade e era apropriado pôr esses ensinamentos no kata. O Go no Kata esteve escondido pelos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, e pelo que me foi falado, por causa do receio que Kano tinha que o Kodokan fosse usado como um local de treinamento para soldados. Antes dos anos vinte o fervor nacionalista tinha se mostrado bastante forte no Japão. Kano estava bastante preocupado com tudo isso. Nesse sentido, ele começou um Movimento Cultural em todo o Japão, nos anos vinte, tentando mudar esse comportamento e conseguir que as pessoas tivessem uma visão mais cosmopolita. Mas ele sentia que não obtinha êxito. Ele também cometeu o erro de se fazer um objetivo dos nacionalistas. Eles achavam que Kano era um simpatizante ocidental e não reconhecia a verdadeira força e o destino do Japão. Alguns discutem que esse fato resultou na morte de Kano. Assim, com tudo aquilo em mente, Kano e os outros Mestres da época ordenaram que fosse suprimido o Go no Kata e este fosse considerado essencialmente obsoleto. Eles disseram que haveriam problemas, e não mais ensinariam essas técnicas. Inclusive, eles deixaram de discutir isto publicamente.
Kyuzo Mifune, décimo dan, elaborou um Go no Kata diferente durante os anos da Segunda Guerra Mundial. Ele pretendeu com isto, eu penso, substituir o mais antigo. A variante de Mifune do Go no Kata, refletia, provavelmente, as diferentes fases do desenvolvimento da forma pessoal dele.
Haviam ainda outros katas derivados do antigo Goshin Jutsu. Havia o Ippon Yo Goshin Jutsu no Kata e Fujoshi Goshin Jutsu no Kata. Como para Ippon Yo Goshin Jutsu no Kata, “Ippon Yo”significa “Geral”; é a arte de autodefesa geral que foi ensinada a todos, indistintamente. Através deles se aprenderia todos os waza de goshin, que é a outra metade do Judô. Você tem waza de randori e waza de goshin, e se você for ensinar o programa completo do Judo, você tem que ensinar ambos. Também havia o Fujoshi Goshin Jutsu no Kata que era a versão de defesa pessoal para as mulheres. A diferença significante entre ambos os katas é que, neste último, as técnicas são especialmente adaptadas às mulheres. Estes dois katas, tal como o Go no Kata, são do tipo “esquecidos” antes da Segunda Guerra Mundial, deliberadamente, eu imagino, e a perda destes deu origem ao Joshi Goshinho e Kime Shiki que apareceram na Divisão das Mulheres durante aquela Guerra, e o novo Goshin Jutsu que somente apareceu nos anos cinqüenta, como resultado do trabalho do grupo de pesquisa que eu mencionei no início.
Também haviam vários Renkoho no Kata. Renkoho são métodos de apreensão. Um antigo Renkoho no Kata (haviam vários deles) envolvendo Torinawa ou Hojo Jutsu, que significa “amarrar com cordas”. Naqueles tempos, a polícia não levava algemas; eles levaram um pedaço de corda, ou vários pedaços de corda no cinto. E assim eles dominavam a pessoa que eles quisessem prender, e com alguns movimentos rápidos a amarravam. O kata não envolvia apenas amarrar com cordas exatamente. Era necessário levar o oponente ao chão, montá-lo e amarrá-lo. Mas o kata foi focalizado apenas no conceito de amarrar com cordas. Dessa forma, imaginou-se que eles eram obsoletos na era moderna, onde as polícias usam algemas. Assim se você quiser aprender o Renkoho no modo antigo, você tem que aprender o “corda-amarrando”. Foi julgado pelos mestres do Kodokan que isso era menos interessante para os modernos judocas, assim eles ordenaram que tais ensinamentos fossem esquecidos. Saliente-se que amarrar com cordas foi ensinado originalmente no Kodokan. Em algumas edições do livro Judô Kodokan, existem quadros de técnicas de “amarrar com corda”, em rolos de papel, nos arquivos do Kodokan.
Também há o Gonosen no Kata, que é um bom exemplo de um kata criado por alguém diferente de Kano. Há outros, mas este é um exemplo excelente. O Gonosen foi construído por Kyuzo Mifune, décimo dan, e é praticado em algumas universidades no Japão. Na Waseda, penso eu, eles praticam o Gonosen. Também é popular na Europa. Gonosen no Kata é o kata de contra ataque. Go no Sen é uma estratégia, uma das três estratégias básicas de combate, que pode ser muito livremente traduzida como “técnica de contra-ataque”. É um pouco complicado, pois envolve os contentores nos lançamentos de ataques e contra-ataques. Haviam outros katas que foram trazidos e praticados no Kodokan, e esses chegaram a se preservados por algum tempo, mas já não são praticados nos dias de hoje. Eu penso que a intenção disso tudo era haver um programa geral de kata, como o que nós mencionamos, e então depois de estudado e dominado todo ele, então você poderia iniciar a aprendizagem dos katas centrais dos vários ryus. Assim, você teria no Kodokan um arquivo de todo os antigos ryus. E com este fim, foram preservados os katas antigos, e Kano manteve uma coleção de rolos de papel, livros, e artefatos nesse sentido.
Quais são os propósitos e finalidades do kata, como originalmente pretendidos por Kano?
A idéia de kata que Kano abraçou seria naturalmente o conceito de kata que existe no koryu, as escolas antigas. O Kata era a mola mestra dos antigos ryus. Na realidade, muitos do velhos ryus não tiveram randori de qualquer natureza. Alguns tiveram algo que nós poderíamos chamar de randori, mas isso ainda seria algo muito pequeno, desestruturado, pois eles estavam muito limitados naquilo que permitiam. Isto devia-se, em grande parte, ao fato das técnicas serem muito perigosas e imaginava-se que saíndo-se de um modo não ensaiado, poderia ser fatal. Assim eles usaram o kata como um modo central de treinamento. Estes são movimentos pré-arranjados de batalhas. Eles também proveram os meios para sustentar o ryu, garantindo toda a informação detalhada que precisava ser repassada de geração para geração. É difícil de descrever algo tão complexo como um movimento de luta, e fazer alguma anotação em papel ou algo que lhe permita reconstruir exatamente aquele movimento posteriormente. Todos os ryus dependeram de katas para lhes permitir levar a informação exata adiante, de geração para geração.
Você tem que se lembrar que o Japão daquela época – 1600 - estava dominado pelo clã Tokugawa, o que perdurou durante ásperos 275 anos. Eles não permitiram muito dos modos de guerrear. E assim o samurai, a classe guerreira, tinha que achar algum modo de preservar as suas habilidades em uma sociedade essencialmente calma. É um problema que nós temos hoje até mesmo com nosso próprio exército. Como você mantém seu exército preparado em uma época de paz? Dessa forma, os katas proveram os meios para refinar e preservar toda a informação de geração para geração. Eles nunca sabiam quando teriam que lutar novamente. O kata e o kuden, as transmissões faladas, se tornaram componentes vitais do pacote total que é passado através do tempo às gerações.
Os katas também prevêem um sistema de deslocamentos e desequilíbrios para assegurar que as técnicas sejam corretamente executadas. Uma recordação que me vem à mente quando eu penso em kata, é sobre o meu avô, na sua loja de ferreiro, onde ele moldava metais, e ele deitava fôrmas em cima de coisas que ele construiu para os medir e ter certeza que elas emparelhavam o tamanho correto e a forma. Isto era antes de nós termos a produção em massa e partes substituíveis. Assim o ferreiro teve que ter certas fôrmas de medida para assegurar que o pedaço foi feito corretamente de acordo com as especificações certas. Aquela ferramenta em particular que ele usou é chamada “form” em inglês, e na realidade, é um quadro do que é escrito no caráter japonês, que muito bem reflete a palavra “fôrma” em japonês. O kata provê os meios de conferir ao estudante, assegurando que ele está fazendo as coisas do modo correto. Dessa forma, obviamente, simplesmente realizar o lançamento ou efetuar o soco, não é o bastante. Junto com o kata são preservadas informações dizendo exatamente onde a pessoa deve cair em relação ao lançador, ou de qual direção o soco deve partir, e em qual direção uke tem que responder a isso, e assim por diante. Tem que haver um cuidado, visando conferir o que está entrando na execução da técnica. Além disso, há um sistema de diagnósticos da forma onde uke termina, como resultado do movimento de tori, lhe dando informação sobre o que você fazendo ser correto ou errado. É todo baseado em um sistema de direção chamado embusen [ linha de kata].
Kata foi reconhecido como o âmago da arte marcial. Era essencialmente como um plano de instrução que o fundador poderia usá-lo para assegurar que todo o mundo adquirisse as mesmas lições seguindo uma mesma linhagem. Isso não quer dizer que os katas não pudessem ser modificados de algum modo, mas isto só seria feito com muita consideração e cuidado extremo. Mais provavelmente outro kata seria criado em lugar do kata antigo do que mudá-lo, porque se você quer acrescentar conhecimento, não tente mudar ou perverter o que já havia antes, através do qual você se desenvolveu. Assim Kano veria o kata como um provedor das fundações, a estrutura para a transmissão dos princípios que ele considerou um dos mais importantes ensinamentos.
Você poderia explicar a significação da linha do kata (embusen), a qual você mencionou? Onde está o propósito de Kano projetando uma forma de prática linear, para uma arte baseada em movimentos largamente circulares?
O "bu" em embusen é o 'bu' em budo ou bujutsu; é "marcial". "Embu" é algo marcial ou militar; reflete algum tipo de ação militar. "Sen" é literalmente a linha. Assim esta é a linha ao longo da qual a guerra é administrada. O embusen é muito importante. Esta linha se situaria perpendicularmente em torno de 90 graus, nos antigos campos de batalha. No campo de batalha, as pessoas estão determinadas a ir para o outro lado do campo, talvez uma dúzia de guerreiros decididos, eles vão carregando um ao outro, ou talvez, uma linha está em defesa e a outra linha vem ao seu encontro. A idéia é mover-se pela linha de batalha do oponente para adquirir o objetivo militar que se situa atrás. Assim, se você estiver tentando atacar violentamente um castelo, eles terão os soldados alinhados e talvez uma dúzia ou mais ao fundo, ao redor do castelo. Mas você tem que chegar ao castelo. Isso é o motivo pelo qual você está lá. Assim você penetrará a linha deles, movendo perpendicularmente à linha de batalha. O embusen ensina como passar por aquela linha de soldados. O modo que você trabalha durante uma linha de batalha não é só através de retas. Se você encontra uma pessoa bem em frente e você a mata, está claro que encontra outra logo atrás. Como você passará mais profundamente adiante desta linha, também encontrará pessoas em posição lateral a você. É provável que como eles o vêem movendo-se e orientando-se para o objetivo que eles estão tentando proteger, eles vão virar lateralmente em relação a você e vão tentar pará-lo. Assim, ao passar a linha de batalha, você tem que virar e voltar um pouco. Assim você avança, adiante e atrás no embusen. O embusen reflete esta idéia de guerra no raciocínio do antigo campo de batalha. Tendo o Randori no Kata, particularmente o Nage no Kata, operando no embusen, é muito importante esse princípio. Reflete a natureza combativa de Judô, e isto é realçado até mesmo pela idéia de que nós estamos usando exclusivamente waza de randori, mas eles estão sendo aplicados em uma situação de campo de batalha. É muito profundo, e Kano está tentando com isso fazer uma observação alí. Até mesmo o que pareceria ser o mais inofensivo dos katas, ele pôs algo que tem aplicações no campo de batalha e por isso é muito importante seu estudo. O embusen também provê o alinhamento para este kata. Considerando que você está se movendo para cima e para baixo na linha do kata, todas as técnicas podem ser medidas dentro dessa linha. O ataque é feito nessa linha de kata e então tori vira e executa lançamentos. Tudo é predeterminado, o ataque é realizado nessa linha de kata, tori faz o movimento defensivo e uke é lançado em algum ângulo. Para cada técnica há um ângulo prescrito para posicionar para onde uke deve cair. Se uke cair no lugar errado, nós saberemos que algo de errado aconteceu; ou o ataque ou a defesa, ou ambos. Nós podemos diagnosticar de fato pela posição da aterrissagem o que deu errado e de que modo. Dessa forma, incluindo esse componente no diagnóstico do kata, encontramos um dos meios mais completos de preservar a arte. Nós sabemos como uke tem que cair e nós saberemos o que deu errado se ele não caiu exatamente onde deveria. Nós podemos corrigir a técnica até que uke e tori façam suas partes corretamente. Dessa forma saberemos que nós estamos preservando o kata dentro dos parâmetros em que ele foi planejado. Se você ignorar este componente de diagnóstico, então você dentro de pouco tempo estará realizando os 15 lançamento do Nage no Kata, mas, na realidade você não estará fazendo kata. Se você quiser fazer realmente o kata, você tem que ter esta evolução do ataque de uke e a defesa de tori, e você também tem que ter o diagnóstico para corrigir a forma, e somente assim ela será preservada. Sem isso não existe kata.
Há algum significado especial no fato de, dentre todos os katas, somente o Nage no Kata e Seiryoku Zenyo Kokumin Taiiku no Kata são praticados em ambos os lados, direito e esquerdo?
Este é um fato muito importante. Isto não aconteceu por acidente. Eu penso que algumas pessoas acham isto para emprestar um aspecto enfadonho ao kata, que se repete no outro lado. Mas eu não penso como eles, que pouco reconhecem a profundidade dessa noção. Os ryus de Jujutsu tradicional, o koryu, praticaram as técnicas em grande parte em um lado apenas. Especificamente, a técnica é demonstrada de acordo com o ataque, e o ataque é feito do modo habitual que supõe acontecer de um lado. Por exemplo, um espadachim japonês sempre leva o katana quando está de pé, de um certo modo, ou seja, do lado esquerdo do quadril, portanto, a empunhadura da mão dele à espada é sempre destra. Não há nenhum espadachim de mão esquerda. Assim o ataque sempre entra de um certo modo por causa disso. O pulso só pode virar de certos modos. As respostas para ataques de espada requerem sempre resposta contra um lado. A espada sempre é usada no quadril esquerdo de forma que se você puxar a espada, sempre vai estar com a mão direita no quadril esquerdo. Todas as técnicas operam de acordo com esse entendimento e não ao contrário. Kano era revolucionário nesse aspecto, e assim ele disse: “Nós vamos praticar as técnicas em ambos os lados. Nós vamos ser igualmente destros e canhotos”. Na realidade, isto mostra ser uma coisa muito poderosa para se ter como vantagem, especialmente quando você está lutando contra pessoas que favorecem apenas um lado. Nós temos visto isso em randori e shiai. Nós levamos isto hoje como tipo de concessão, mas durante os dias de Kano, esta era uma real mudança. Assim, nós achamos que o Go Kyo no Waza deveria ser praticado com todos os 40 lançamentos pelos lados direito e esquerdo. Isso era o teste tradicional para o cinto preto primeiro dan - Go Kyo direita e esquerda, e também o Nage no Kata que também exige técnicas pela direita e esquerda. Não só você aprende as técnicas de lançamento nas suas formas básicas pelo Go Kyo, direita e esquerda, mas você também aprende como elas são aplicadas na autodefesa, que orienta-se de um ponto de vista estratégico, com respeito a ataques dos lados direitos e esquerdos. Isto fez os alunos de de Kano ambidestros. Lutando contra outros ryus de Jujutsu em torneios dos anos 1800, os fez contundentemente. Todo o mundo ficou completamente surpreso e subjugado por essas pessoas que podiam agarrar e lançar pelos lados direito ou esquerdo com habilidade sem igual. Com isso, Kano estava querendo dizer que nós precisamos compensar nossas deficiências, precisamos preencher nossas lacunas com possibilidades. Não deve haver lacunas óbvias em nosso treinamento. Como mencionei anteriormente, o espadachim só segura uma espada de maneira destra, e até mesmo na aplicação da autodefesa você só tem que se preocupar sobre o ataque ser realizado com a mão direita. Mas Kano disse: pressumamos que o atacante seja canhoto. Se eu faço minha defesa destra habitual contra o aperto destro dele é um modo; se eu faço uma defesa canhota contra o aperto destro dele, já é outro modo. Então você é direito e prática como canhoto ao ir de encontro a um aperto canhoto ficará tudo bem. Isso lhe faz um lutador devastador. Também tem o efeito colateral de compensar seu treinamento físico de forma que todas as partes de seu corpo são treinadas igualmente. Isto lhe dá um equilíbrio corporal e também ativa os meridianos, a acupuntura, por exemplo, é aplicada igualmente em ambos os lados, trazendo assim benefícios à saúde. Esta mudança, formalizada depois no kata, caracterizou-se como uma real e profunda mudança para as escolas de Jujutsu.
Você disse que o kata “conta uma história. Você poderia dar um exemplo de uma história ou lição nos katas do Kodokan?
O kata que a maioria das pessoas conhecem, sem dúvida nenhuma é o Nage no Kata. No Nage no Kata há um compromisso entre duas pessoas, em uma situação de autodefesa. Uke e tori, ambos estão aprendendo entre eles. Uke está aprendendo e está se adaptando, os ataques dele fundam-se nas experiências do kata, nas experiências do compromisso. É por isso que nós vemos uke mudar passo por passo sutilmente a cada ataque dentro do kata. Em essência, isto se traduz em toda a técnica do kata, mas primeiramente em uma técnica de combinação, porque uke sempre está se adaptando, está se ajustando ao tori, entendendo-se que uke tenha aprendido as técnicas préviamente. Isto é de grande importância.
No segundo grupo do Nage no Kata, Kano está contando a história da sua experiência pessoal com Saigo. Saigo era um estudante jovem, perspicaz, ágil. Kano usou freqüentemente a técnica favorita dele, Uki Goshi, contra Saigo em randori. Kano era devastador com essa técnica, e Saigo levou quedas muito duras. Saigo propôs uma defesa. Quando ele viu Kano se mudar para a direção geral de Uki Goshi, Saigo realizou um pulo na direção do lançamento, pisando depois do ataque, fugindo do quadril de Kano, em tai sabaki. No princípio isto deu certo. Logo, entretanto, Kano adaptou outra técnica no randori-waza, de forma que quando Saigo pulou o Uki Goshi, Kano varreu ao redor com a sua perna, pegando Saigo em pleno ar. Nós chamamos essa técnica de Harai Goshi. Saigo logo percebeu que agora a queda era até mais dura que antes. Assim Saigo decidiu tentar outra coisa. Assim, quando Kano o atacou de Uki Goshi, Saigo arqueou-se para trás fortemente, enquanto empurrava os seus quadris em Kano. Kano então mudou depressa a mão do aperto da cintura, arrebatando o colarinho de Saigo no alto, enquanto o derrubava abaixando os próprios quadris. Dessa forma, Saigo foi lançado mais uma vez ao chão. Nós chamamos essa técnica de Tsurikomi Goshi. As técnicas foram por isso determinadas nessa ordem no segundo grupo do Nage no Kata. Comemora esta seqüência a troca de ensinamentos entre Kano e um dos seus primeiros alunos. Lamentavelmente, tudo isto está perdido no método moderno de ensino do Judo.
Quanto à pedagogia do kata, você recorreu igualmente aos termos “kata” e “igata”, como conceitos críticos para entendimento dos propósitos do kata. Você explicaria a significação destas condições?
Existem de fato dois caracteres japoneses que podem ser pronunciados “kata” e ambos são usados em referência para o que nós chamamos de kata. Um deles também pode ser pronunciado “igata”, e eu sempre fui ensinado a diferenciá-los, respectivamente, como “kata” e “igata”. “Kata” é o que nós usamos quando nos referimos ao Nage no Kata, por exemplo. O fato de nós fazemos essa distinção é muito importante e provê certa informação. “Igata”, por sua vez, é estático; toma como referência uma forma estática. A forma não muda. Não se adapta ao indivíduo. É uma medida rígida. Por sua vez, “Kata” é dinâmico. É um conceito muito mais difícil. Alguns antigos ryus usaram há pouco tempo o termo igata para recorrer às suas antigas formas, com isso refletindo a noção que não pode haver nenhuma divergência no método já preconcebido. O “kata” reflete algo com andamento muito mais dinâmico.
Um modo através do qual eu posso explicar esses conceitos, é comparando-os ao velho conceito de Shu Ha Ri. Shu Ha Ri é o tipo de progressão geral para aquele que vai treinar, onde “shu” se refere a imitar. Com efeito, no princípio ao estudante é dito para fazer exatamente o que o professor faz. Tem que ser exatamente o mesmo movimento; não pode haver nenhuma divergência. Qualquer tentativa de individualizar é proibida estritamente. Se você tenta individualizar deliberadamente, principalmente depois que foi corrigido, o mestre de Jujutsu em pouco tempo o colocará para fora do dojo. Você não sabe o bastante para estar decidindo como individualizar. Mas depois que os fundamentos são dominados, e você realmente entende o que está fazendo, então você se move em direção ao “Ha” de Shu Ha Ri. É através de Ha que você começa a divergir da forma rígida porque agora você está entendendo a técnica e ela está começando a ficar viva em você. Você está começando a se tornar uno com a técnica. Você está começando a fazê-la uma coisa sua, e você já é capaz, com a orientação cuidadosa do seu instrutor, amolda-se adequadamente à mesma. Não só agora você sabe a forma standard, a qual poderia até ensinar, mas você também entende como aquela forma padrão pode ser adaptada a cada individuo. Para se tornar um instrutor, você tem que entender como adaptar a técnica ao físico de qualquer pessoa e em qualquer situação, não somente ao seu corpo, na situação que você já domina. Assim, é uma real tarefa entender como a técnica pode ser modificada sem perder a sua eficácia. Daí, então, chegamos aos "meios de Ri", onde você se separa completamente do que lhe foi ensinado. Há um par de significados diferentes para isso. O estudante está agora pronto para ir no seu próprio caminho, caminhar com as próprias pernas; ele ficou completamente funcional, daquí por diante a arte é ele e ele é a arte, então ele não será mais limitado. Ele sentirá uma certa liberdade. Isto pode ser comparado com um pintor que domina os movimentos e os fundamentos da pintura e então pode fugir desse ordenamento. Isso acontece porque, já os tendo dominado, ele não tem mais que pensar neles. De certa forma ele se torna bastante liberal, o que lhe permite ir além dos confins do que está certo ou errado na execução, porque agora tudo que você faz está correto. A mesma coisa acontece com a técnica, você está escapando às restrições da técnica e, na realidade, você pode fazer a técnica trabalhar, não importando como faça isso.
Nós começamos o treino do kata, e primeiro nós aprendemos pouco há pouco os fundamentos, o kihon. Nós aprendemos a nos mover e como bloquear; onde pôr nossos pés e coisas assim. Isto dá de certo modo a noção de como "ir no kata". Este é o termo freqüentemente usado. As pessoas dizem: "Ele está no kata; ele está no kata." E isso que dizer que você já adquiriu os meios; que você já não está pensando de fato naquele nível funcional onde se preocupará com certas coisas tipo "pise aqui, pise lá, faça isso"; mas você está respondendo naturalmente ao ataque, você está fazendo os movimentos completamente dentro da estrutura do kata. Isto define-se como "igata", esta é a forma rígida e você está agora completamente nela e está sendo controlado. Está como a caminhar em um túnel. Você não pode se perder; não há como ir a nenhuma outra parte. Você caminha diretamente para o centro do túnel e você está lá. E você sente como se estivesse pondo seu corpo em um molde físico. Você não tem mais que pensar nos movimentos individuais de pôr os braços e pernas aqui e ali. Seu corpo é amoldado pelo kata. Sua técnica, sua mente, tudo é amoldado pelo kata; você está no kata. No final, bem depois, você chegou verdadeiramente ao "kata" ao invés de "igata", você está voltando-se agora fora do kata. Agora você está lutando de fato e seu corpo conforma-se naturalmente ao kata como é apropriado fazer. Quando o ataque é feito do modo prescrito, o kata apresenta o modo mais eficiente para defender. Mas como uke e tori são pessoas reais, com todos os prováveis erros e divergências inerentes aos seres humanos, se o ataque divergir um pouco, tori responderá naturalmente com a defesa apropriada, e eles se movem dentro da batalha ao invés de mover dentro dos confins rígidos de uma forma rígida, estática. Assim você é levado ao interior do kata., onde a arte de forma mais elevada começa a acontecer. Assim, esta é uma fase importantíssima no desenvolvimento.
Nós o ouvimos contar uma história sobre Daigo, a respeito de algo que aconteceu a ele durante uma exibição de kata. Você descreveu Daigo como tendo sido "no kata". Poderia repetir essa história agora?
Nós estamos falando aqui sobre Toshiro Daigo, que foi campeão nacional do Japão e um altamente respeitado e conhecido Judoca, o qual ainda hoje está vivendo no Kodokan, eu acredito. Daigo-sensei estava dando uma exibição, nos anos setenta eu acredito, no anual Kagami Biraki Taikai do Japão, e ele estava demonstrando o Nage no Kata. O uke dele, a um certo ponto na parte posterior do kata, fizera o ataque errado. Era suposto que eles começariam as técnicas de ma sutemi waza. Era certo que eles se encontrariam no centro para o Tomoe Nague, mas uke trocou a técnica e fez um ataque notável para uranage. E Daigo não atrapalhou-se. Ele passou imediata e perfeitamente para a posição de receber o golpe, fez o uranage e lançou uke exatamente onde ele deveria cair. Técnica perfeita ao longo de um piscar de olhos. E no momento em que bateu ao chão, o uke percebeu o que ele tinha feito. Ele tinha feito o kata defeituoso. Mas percebendo que Daigo não ficou atrapalhado com isto, uke levantou-se, virou-se e fez o ataque lateral esquerdo como exigido para uranage, e Daigo respondeu da mesma forma. E assim eles fizeram o resto das técnicas dessa forma. Na realidade, muitas pessoas não souberam que qualquer coisa de anormal tinha acontecido. Eles não notaram que eles tinham feito algo defeituoso. Outros, que notaram, ficaram particularmente impressionados, porque refletiram que aquele Daigo não estava fazendo aquilo passo a passo. Ele não estava procurando aplicar nenhum tomoenage. Ele não estava fazendo a forma rígida, mas tinha evoluido ao ponto em que ele estava respondendo aos ataques como se estivesse comprometido em uma luta real. E tão naturalmente ele estava respondendo ao ataque, que qualquer ataque poderia ser realizado. Nage no Kata é o ataque dirigido, baseado em estratégias de como lidar com certos tipos de ataques. Assim quando o ataque veio, ele já estava respondendo, e não estava confundido. Isto reflete a grande habilidade e o alto nível do treinamento de Daigo. E é um exemplo perfeito da idéia de entrar no kata e depois sair do kata. Ele tinha levado kata ao nível mais elevado, para aquele nível dinâmico no qual ele respondeu completamente ao ataque, e não tinha sido apanhado por pensamentos do tipo: "Oh meu Deus, este deveria ter sido tomoe-nage; agora o que faço eu?"
Quando você ensina kata em classe, você não só ensina a demonstração (omote), forma pela qual a maioria das pessoas identifica o kata, mas também os componentes escondidos (ura) que compõem o lado inferior do kata. Por favor descreva cada um destes componentes do kata, e quando ou como cada um é ensinado em relação ao outro.
Omote é a parte dianteira e ura é o contrário, ou seja, a parte trazeira. Assim o omote é o que você vê e o ura é o que você não vê imediatamente. No kata de demonstração, o que nós somos inclinados a ver, é na realidade a ponta de um iceberg. A realidade, a maior e mais importante parte está debaixo da superfície. Está no lado escondido; o ura. O ura é o que faz o kata em um programa inteiro de estudo. Citando alguns livros; por exemplo, um de autoria de Otaki e Draeger, falando sobre o Randori no Kata, eles enchem um livro inteiro de ensinamentos só com esses dois katas. Há muito o que aprender lá, mas nem sequer isso revela tudo sobre o ura do kata. O ura inclui muitas coisas. Inclui o bunkai e oyo. Estas são a análise do kata, as aplicações do kata. A análise envolve uma variedade de coisas. Envolve estudo sobre o yoten, os pontos fundamentais das técnicas, o que os faz trabalhar em cada caso. Envolve estudo sobre o henka, as variantes dos ataques e defesas, e assim você tem uma gama maior de conhecimento do que aquela onde você é limitado dentro do omote. Também tem que conhecer as defesas e os contra ataques; o fusegi e o kaeshi waza.
O modo como eu fui ensinado a praticar o kata, baseava-se no seguinte: primeiramente se atentava aos princípios particulares ao jogo, agrupando-os. E então, como nós fazemos as técnicas em seqüência, é importante entender bastante do ura para explicar os pontos fundamentais de cada técnica, como eles se relacionam ao ataque, dentro do comportamento de uke. No Nage no Kata, por exemplo, você pratica como ativo e em uma versão passiva. Deste modo você é forçado a entender o por que das mudanças dos agarramentos, o modo como fazer, o por que das técnicas operarem do modo que elas fazem, e você passa a entende a lógica da sucessão. Não é só uma sucessão fortuita. Você tem que adquirir bastante desse ura para fazer com que o kata realmente aconteça vivo, de forma que você entenda o caminho que está seguindo. E então, depois que o kata é completado, então você se volta novamente pora ele, e você começa a compreender as adaptações, as variantes, os outros pontos importantes. Mas eu quero enfatizar que você precisa de uma porção considerável do ura para aprender o kata em qualquer nível, só assim faz sentido "entrar no kata". Seria absurdo aprender kata sem entender o que os movimentos significam.
Cada movimento é muito lógico, e cada movimento é importante. Está lá para um propósito; lhe ensina algo. Você precisa entender o que eles transmitem. O Kata tem muitas sutilezas no omote, que é projetado para despertar sua memória sobre algum ponto-chave que você precisa saber do ura. Assim eles têm movimentos sutis e eles têm waza de kakushi, que são técnicas escondidas. Você tem que entender para onde vai. Ao que alude isto? O que é isto? Eu suponho que reconheço isto? Fica particularmente importante em algum kata, como no Ju no Kata, que é um kata, podemos dizer, de "taquigrafia", pois você não completa nenhuma técnica no Ju no Kata. Nenhum ataque, nenhuma defesa é completada. Elas são todas de forma inacabada, assim se você não souber o que cada uma dessas técnicas são, você não sabe para onde está indo. Elas são, contudo, completadas no ura. Bastante freqüentemente no Ju no Kata você terá um ataque, um contra-ataque, outro contra-ataque para o último contra-ataque, e assim sucessivamente. O que são essas técnicas? Isso significa que em um único movimento, em uma única técnica, você pode ter quatro; assim se você não souber o que elas são, você perdeu a coisa inteira. Você precisa entender as técnicas e como elas se relacionam umas com as outras. Mas se você tiver um kata no qual você tem uma técnica e uma contratécnica, a implicação é que a primeira técnica falhou. Por que? Isso é o que o kata vai o ensinar. De forma que você não cometa aquele erro. Assim você tem fracassos construídos no kata para lhe ensinar como não falhar. E o que mais o kata lhe ensina?
No Ju no Kata você tem um ataque, você tem um fracasso, você tem uma defesa, e então você tem uma contra-defesa. Assim se alguém me ataca, eu tento defender, e eu falho na minha defesa, como eu recupero? Terminou? Não, é melhor não, porque assim eu morro! Dessa forma, você tem que ter um ataque, uma defesa, uma defesa para a defesa, e uma defesa para a defesa para a defesa. Você tem que ter várias camadas de fundo, de forma que da primeira vez que você faz um ataque ou faz uma defesa e falha, você tem um modo para responder. Essa é a forma é como você constrói uma arte completa. Este é o tipo de coisa que indica que você está entrando no kata, e sem entender o ura você terá perdido tudo isto. E assim você tem que ensinar bastante da substância, consumir o kata e entender para onde ele está indo. Então você tem que voltar e realmente explorar a riqueza do kata. O kata tem lições em muitos níveis,: a níveis estratégicos e táticos; a níveis rítmicos; a níveis de distancia; a níveis de equilíbrio e movimento e todos os tipos de coisas. Eles têm que ser explorados completamente, para se tirar o máximo deles.
As técnicas de omote modernas do Nage no Kata são executadas diferentemente do modo original, como Kano as fez. As formas modernas refletem conexões perdidas com o ura, ou o ura mudou com as mudanças do omote?
Por exemplo, o Nage no Kata teve algumas revisões principais pelo verão de 1905 e novamente em 1907. Então houveram mudanças periódicas feitas em grande parte depois da morte de Kano. O Nage no Kata original, como um exemplo, como demonstrado, teve alguns lançamentos diferentes do de hoje. Não havia Kata Guruma no kata original, e nesse kata incluíam-se o Sukui Nage e o O Soto Gari. Também algumas técnicas eram terminadas de um modo diferente. Alguns dos lançamentos eram terminados em direções diferentes, refletindo um kihon diferente do que foi considerado para essas formas. Assim o ura também era diferente, porque o omote era diferente. Porém, em nossos dias, eu não penso em qualquer pessoa praticando ura. Assim, nesse sentido, é salutar o debate, uma vez que a finalidade atual passa apenas pelos movimentos, pelas formas de demonstração. Eu penso que o kata se tornou um pouco impopular nesse sentido. Eu penso mais recentemente, nos últimos dez anos, onde vemos que o kata realizou um retorno, especificamente em termos de competição de kata. Mas a competição é baseada na forma de demonstração e em nada mais. Dessa forma, não estão sendo exploradas estas outras facetas do kata. Mas quem sabe, talvez, isto virá posteriormente. Eu gosto de pensar assim. Se você mudar o omote, o ura teria que mudar, ou não se ajustaria mais. A pergunta é, como você muda o kata? Você está considerando que o ataque é diferente? Porque então se for um ataque diferente, você esperaria uma defesa diferente? Se o ataque é o mesmo, então por que você mudaria a defesa? Eu penso que isso sempre não faz sentido. Ocorreram algumas mudanças sutis no kata durante os anos, que parecem ser relacionadas mais a alguém, como a um juiz, um mestre, onde este poderia demonstrar a execução de uma técnica e dizer facilmente se certos aspectos eram corretamente terminados ou não.
Por exemplo, nos anos sessenta nós tivemos problemas com pessoas que executam kata. O kata daquele tempo não era popular entre os norte-americanos, pois o uke saltava, jogava-se durante a execução do golpe por tori. Assim, a participação de tori ficou realmente pequena em algumas das técnicas. Ficou importante, então, tentar perceber se o lançamento estava sendo na verdade executado através de tori ou se era resultado de uke saltar. E assim alguns fizeram ajustes às técnicas, tal como kata guruma, que era terminada de forma que nós poderiamos verificar que o peso de uke estava sendo apoiado de fato e projetado através de tori. Isso realmente não tem muito senso prático em termos de como afetaria o ura, mas outras mudanças têm ocorrido. Por exemplo, no Nage no Kata, o Tsuri Komi Goshi era originalmente uma técnica de combinação. Agora não é mais terminada como uma combinação. A noção inteira da combinação está perdida, essencialmente, assim o ura estaria relativamente sem sentido naquele contexto. Eu penso que muitas informações relacionadas com as técnicas e à história foram perdidas.
Em Otaki e Draeger: "Técnicas Formais de Judô", há uma longa discussão sobre o que Kano pretendeu ensinar, considerando as iniciativas de combate (go no sen; sen; sen-sen no sen) e o papel de uke, como ativo ou passivo no Nage no Kata. Como isto foi ensinado a você e o que você entende como o papel de uke no kata?
O kata é muito rico. Se você executa o kata com um uke passivo, você adquire lições a respeito de uma pessoa fixa, estática, e se você executa o kata com uke ativo, você adquire outro jogo de lições, especialmente em algumas técnicas. Eu fui ensinado a executar de ambos os modos, como uma forma de aprender essas lições. Se uke é sempre ativo, sempre agressivo, ou seja, uke sempre faz ataques e tori só defende, então é claro que só um tipo de estratégia realmente pode prevalecer. Você tem, principalmente, uma estratégia de defesa. Mas se tori tomar a iniciativa, agora você tem outra coisa, podendo fazer o kata mais rico.
Go no sen, sen, e sen-sen no sen são três formas básicas de estratégia que Kano teve em mente quando ele criou o Nage no Kata. Sen quer dizer "primeiro"; sensei significa "primogênito" ou "o que veio primeiro". Go no Sen pretende então tomar a iniciativa, roubar a iniciativa. Se o oponente ataca; ele vem primeiro, e então você rouba a iniciativa dele dele e o destrói. Envolve algum tipo de técnica de contra-ataque, ou como um contra-ataque direto, tipicamente, ou como algum modo de redirecionar o ataque de algum modo. E assim se uke sempre é ativo, é sempre o agressor, e tori é o defensor, então a implicação para todos é que o tori pode estar apenas se defendendo. Agora, ocasionalmente, tori pode estar a responder por pouco ao ataque de uke. Se ele faz dessa forma, então, basicamente, ele está tomando a iniciativa. Mas é um tipo de iniciativa à parte. Ainda está relacionada ao ataque de uke. Esta é sen. Não existe nenhum tori que possa utilizar-se do sen-sen no sen, se uke sempre é o atacante. Sen-sen no sen significa algo como "primeiro", com a implicação que se tori aplicar sen-sen no sen, tori é de fato o agressor, mas ele está fazendo uke sentir-se como se uke fosse o agressor. Quer dizer, ele (tori) fixa a fase do ataque de tal modo que o ataque de uke é realmente o que quer que ele faça. Ele o está conduzindo para uma armadilha e desse modo pode guiar uke e usar a força dele para se superar. Esta é considerada a mais alta das três formas de estratégia. Fazer isto, entretanto, necessita de fato que tori se torne o ativo, pelo menos em algumas das técnicas. Assim você tem que praticar o kata com uke e tori ativo.
Um equilíbrio para isto é uma versão da forma de omote que nós praticamos como a última forma, como o omote correto, final, que está às vezes com o uke ativo e às vezes o tori ativo.O Uke é agarrado imediatamente por tori que então extrai o ataque que ele quer de uke e então pode superá-lo. É isto que faz todas as três estratégias principais ensinadas no kata e é isso que Kano, através de suas notas e conferências planejou. Realmente, para obter esta riqueza do kata você tem que praticar de ambas as formas, passiva e ativamente. Kano não pretendeu que o Judô fosse puramente defensivo, no sentido de que alguém ataca e você se submete à força do ataque dele e o derrota. Isso é o clássico "ju", que nós ouvimos freqüentemente. Mas na realidade, às vezes você realiza tai sabaki para o exterior, você cria uma ligação ou uma fricção contra o oponente, às vezes você, na verdade, conduz o oponente ou o abate com um soco. Você faz todos estes tipos de coisas; tudo é muito eficiente em cada caso. Isso é seiryoku zenyo. Isso é o princípio anulado. Às vezes é muito mais eficiente conduzir uke ou mesmo fazer o primeiro movimento, quando a intenção do ataque é estabelecida. A prática moderna do Nage no Kata é focalizado na forma de omote (padrão competitivo). Os praticantes de hoje declaram freqüentemente que o valor da prática do kata deriva do desenvolvimento da precisão, atenção aos detalhes das técnicas, e educação dos movimentos gerais, que envolvem kuzushi, tsukuri, cronometragem, equilíbrio, força de alavanca e impulso. No ensino tradicional do kata, porém, havia uma ênfase em outros tipos de princípios, como Shizentai no ri, Ju no ri, e outros. O que são as diferenças entre a perspectiva moderna dos princípios do kata enfocados e os princípios originais que Kano enfatizou?
Alguns dos elementos que eu já mencionei, como estratégias, e que uke e tori que são passivos, e ainda que mecanismos tori usa para superar uke; estes são alguns dos níveis mais elevados e são os pontos fundamentais do kata. Você pode praticar as técnicas individuais com precisão, pode entender detalhes dentro do Go Kyo ou, ainda, elas podem ser praticadas como kihon para o atemi. Você não precisa fazer kata para fazer técnicas com precisão e detalhes. Tão obviamente isto não é o propósito do kata. Mas os princípios que se estudam no kata são princípios maiores, como Shizentai no ri, o princípio da postura natural, e tudo aquilo que realmente são meios, e Ju no Ri, o princípio da flexibilidade. Mas também, a pessoa estuda como controlar sua ma-ai (distancia), ri-ai (como a pessoa cria sinergia com o oponente), uso de ikioi e hazumi, (impulso e força); e como a pessoa se abre para evitar um conflito, ou como a pessoa espirala pra criar uma ação interior que a leva então a supera o oponente. Todos estes tipos de estudos são embutidos no kata. O Nage no Kata é criado como um kata que é dirigido através de ataques, e que realça princípios mais altos e estratégias. As técnicas são só componentes. Elas são modos para contar a história. Por isso que foi possível para Kano, por exemplo, tirar o Sukui Nage e pôr em seu lugar Kata Guruma, no kata, porque ele estava tentando contar algo sobre princípios e havia um grande número de técnicas que poderiam ser postas em lá. A técnica específica não era o ponto. Mas aplicar um certo tipo de princípio contra um certo tipo de ação, criaria uma interação entre uke e tori que poria uke em um certo lugar e o superaria de um certo modo. E assim, contando esta história maior, Kano cria o kata. Estes são os princípios mais altos; estes não são apenas movimentos mecânicos do corpo simplesmente. Esses você aprenderá com o kihon individual, com as técnicas individuais.
Kano projetou o Nage no Kata para alinhar-se com o Go Kyo no Waza para realçar estratégias específicas e princípios. Você pode explicar o que algumas destas conexões são?
O Go Kyo no Waza tem uma estrutura multidimensional que cria uma matriz elaborada de princípios de vários tipos e dimensão. É uma construção muito mais elaborada. O Nage no Kata é mais que uma enumeração de técnicas de luta. Não tem uma estrutura tal como o Go Kyo. Mas claro que você pode passar por cada técnica e pode identificar os princípios que estão sendo ensinados. Isso é o que o kata se torna, é o catálogo desses princípios. Esses estão sendo demonstrados contra os vários tipos de ataques e defesas, se ativos ou passivos, se são sen-sen no sen, e assim por diante; eles têm que ser determinados. No omote não são traçadas todas as dimensões desses princípios, mas pelo ura você passa por eles e identifica todas as várias combinações e possibilidades. É um estudo muito rico.
Qual é seu conselho para o Judoka de hoje relativo ao melhor modo para estudar kata?
O que o faz sentir que kata é pertinente ao Judô desportivo moderno? O melhor modo para qualquer um estudar kata é através de um bom instrutor que realmente conheça o kata e não esteja satisfeito a menos que você entenda o caminho para onde vai. Porque há algo a ser compreendido! Kata não é somente alguns passos de dança para para executar. Há muito a ser aprendido no kata. Se você não entender o que está se passando no kata, você nunca o executará corretamente. Leva muita prática e muita paciência. Você precisa dedicar o mesmo tipo de energia ao kata, que você dedica ao resto de seu treinamento de Judô. Esta noção de conhecer e treinar o kata apenas algumas semanas antes da promoção, porque você tem que tentar demonstrar algo apresentável, mas depois irá esquecer, realmente nunca irá aprender kata desse modo. Você vai perder uma grande parte do conhecimento do Judô. Eu penso que é necessário que você dedique ao kata o tempo que ele merece, e isso seria uma porção considerável de seu tempo. Kano discutiu que algo como 15% de seu tempo de treino de Judô deveria ser dedicado a kata. E isso provavelmente está quase correto se você olha para o total de horas que você gasta com o Judô. Assim, se você pratica 2 horas, 3 dias por semana, dará 6 horas; em 4 semanas, serão 24 horas em um mês; digamos um mês a 25 horas. Quinze por cento disso seriam menos de 4 horas em um mês. A idéia é que você deveria estar dedicando uma parte considerável de sua energia nisto, e não só tentando aprender o Nage no Kata de vez em quando, porque alguém lhe falou que você precisará para promoção. É pertinente ao Judô desportivo moderno?
Claro que é. O faz entender as técnicas mas também, o mais importante, entender sobre estratégias, distancia, ritmo, informação tática, métodos diferentes de superar o oponente. Há um lote terrível de informação lá que você não vai adquirir, provavelmente, por qualquer outro modo. Esta é a razão por que estas informações estão no kata. Isso é o que o kata pode ensinar. Entretanto, não é bastante caminhar apenas pelo omote e esperar que isso venha trazer muita diferença para seu randori. Não, até o kata fica vivo em você, de forma a começar a operar no kata como você o faz em randori, então passará realmente a ficar significante para você. Isso não vai acontecer por apenas uma passagem ocasional pelo kata. O livro de Draeger e Otaki, no qual eles falam sobre o Randori no Kata. O livro, como me recordo agora, é somente sobre Nage no Kata.
FIM
Fonte: GOSHINJUTSUKAN柔道
Por Elton Silva
Um parceiro do Judo Familia Fontes
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