Judô força um Judô Eficiente. Afinal, que Judô é esse?

domingo, 12 de setembro de 2010.
Já não se faz judô como antigamente”, tenho ouvido. “Hoje só vemos um judô força”. Bem, não entendo muito, mas acho que judô é judô, e o que está se fazendo é um judô feito sob medida para as competições atuais e em função disso ele está sendo largamente ensinado antes da hora.


O que se exige atualmente de um atleta é muita força, muita resistência e é claro, uma técnica razoável que resista bem à pressão e ao estresse dos momentos que cercam as atuações. Mas esse judô tão diferente do que se fazia é de fato o judô que almejamos fazer, é o que nos resta fazer ou qualquer comparação seria apenas saudosismo dos mais velhos? São perguntas que me faço.

Ocorre que questões como estas, são recorrentes em grande parte das conversas sobre judô, e duvido muito que alguém já não tenha entrado em uma discussão dessas. Por minha vez, sem pensar em responder alguma dessas questões, não me furto a refletir sobre elas.

Começando com uma colocação oportuna do Prof. Mateus Sugizaki : O judô antigamente era 60% técnica, 30% força e 10% do psicológico. Hoje podemos dizer que se pode falar em 40% força, 40% técnica e 20% o psicológico, acrescido a toda uma articulação da arbitragem que define as novas regras e o modifica.

Imagino que são mudanças que não podemos deter. São as novas tendências, são as regras e tudo isto com certeza muda o jogo e muitas outras coisas.

Então vamos lá. Esses 40% de força estão muitíssimos bem cuidados por toda uma Ciência que tem se empenhado em levá-las ao limite possível, e força é o que não falta ao jovem. Então, podemos dizer que temos um judô jovem, com muita força, muita vitalidade mas muita truculência também. Podemos dizer que esse judô é um produto ocidental.

Os 20% de fatores psicológicos atuantes estão ainda meio fora de controle, com atletas extremamente ansiosos, ou seja, com um medo atroz de perder e de se comprometer com qualquer coisa que possa ferir uma auto-imagem e personalidade tão consistente quanto um castelo de areia. Mas, isso comentaremos em uma outra oportunidade.

E os 40% da técnica? Ah, isso é coisa para técnico e o que me permito fazer é contar para vocês o que penso quando vou aos campeonatos ou a algum evento.

De início posso dizer que em cima de um tatami muito pouco faço, igual como não toco piano ou canto mal; no entanto sei perfeitamente quando uma música é bem executada ou quando um cantor desafina. Então, sem ser exigente, é claro que de vez em quando num dueto bem afinado acontece a harmonia de uma luta bonita Mas ver somente os 40% do que os nossos técnicos e professores ensinam não deixa de ser uma frustração, além de ficar procurando em vão o restante– os 60%.

Ouço críticas: Que judô feio! Tento achar feio, mas quando muito o percebo pouco espontâneo. Talvez porque seja um judô que não surpreende na medida em que não é criativo e a necessidade de dar certo sempre, lhe rouba a audácia que o faz mais alegre ou mais vibrante. Mas por onde anda o judô tão bonito, ou que nos suscita a emoção do inesperado?

Será que ele começa a se esconder em um ensino com objetivos prematuros, que tiram a espontaneidade e a criatividade tão própria das crianças e dos jovens? Ou quem sabe ele apenas descanse entediado, nos treinamentos de alto nível que lançam as modas das técnicas potentes e sisudas, tão alheias a nós, um povo dos trópicos? Talvez faça como o camaleão e se disfarce o danado, se ajustando às novas regras de arbitragem onde a prudência é a medida certa para uma possível vitória… Ah! Também essa nova versão quimono azul anil tem mexido muito com ele, pois ela arrebata mesmo o coração dos jovens e o judô muito embora um sábio ancião e descendente dos kamis, * não está acima das paixões terrenas. É sempre bom entender seus arroubos, mesmo porque assumir tais fraquezas o faz encantador.

Nessa pesquisa mui particular ouço histórias. Muitas. Sobre incríveis lutadores brasileiros. Alguns hoje já idosos e outros nem tanto e a maioria não mais compete, mas ensinam os seus alunos.

Um grande número desses são hoje os técnicos ou professores. São os graduados que se encontram no grande espaço do judô que são as competições. Lá podemos vê-los através dos seus alunos, de seus atletas. Mas será que se sentem realizados tão somente pelos anos de dedicação a um outro que muitas vezes nem demonstra o justo reconhecimento da gratidão?

Não me parece uma valorização devida; tal tarefa embora digna, não esgota o papel importante que esses graduados têm na nossa comunidade que é o de passar as suas experiências, mostrando um pouquinho só do que sabe para a alegria admirada de quem assiste a trinta, quarenta, cinqüenta ou mais anos de talento, capacidade, dedicação e criatividade. Poderíamos em uma tribuna devida discutir o nosso judô. De onde ele veio e para onde ele vai.

Poderíamos pensar juntos o nosso judô verde amarelo – copiosa vertente de um judô que nasceu da saudade de pessoas pela perda da sua pátria distante, e praticá-lo era o passe de mágica para espantar a tristeza fazendo a alegria brotar. Enfim, que significado tem isto para nós? Estaremos nós sofrendo a mesma fase de transição que sofreu o judô japonês quando em contato com culturas mais truculentas que se impuseram e aos poucos o vai transformando? E, que transformação é essa? Bem, são idéias…

Da mesma forma, vivemos atualmente uma divisão entre a velha geração e os mais novos. Se os mais velhos não estão reconhecendo este judô que agora vemos, não é por mera crise de gerações do tipo velhos retrógrados versus moços progressistas –coisa banal para a maioria. Encarar dessa forma, somente retarda e dificulta o processo de entendimento do que realmente acontece, além de ser preconceituoso. Penso que vivemos também um confronto de mentalidades que deve ser considerado, para facilitar uma comunicação preciosa que possa auxiliar no desenvolvimento do judô brasileiro.

Essa seria a possibilidade para um trabalho fundamentado em uma técnica verdadeiramente apurada, altamente sofisticada, pois amorosamente cultivada. O resultado talvez nos trouxesse de volta a enorme criatividade que nós brasileiros temos de montão, mas que somente acontece quando nos permitimos mais liberdade para fazer o que gostamos e de um jeito mais nosso.

Mas é claro que tomar posse dessa técnica disponível para criteriosamente transforma-la em integrações adequadas, é um trabalho de pesquisa que requer paciência, muito mais disciplina de estudo e infinita dedicação de cada um que se pretenda um bom técnico ou professor.

De contrapartida teremos mais auto-estima, consciência de valor e a satisfação da auto confiança como indivíduos e como brasileiros. E tudo isso com certeza exige um comprometimento a que não estamos muito acostumados, mas quando o resultado acontece traz com ele a alegria de mais um desafio vencido.

Obs: *Kami – Deuses do Panteão Xintoísta

Um grande abraço a todos,

Vera Lucia Sugai
Artigo publicado no site da Federação Paulista de Judô

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