UM OLHAR TRADICIONAL SOBRE A CONTEMPORÂNEA FILOSOFIA DO JUDO,

segunda-feira, 15 de novembro de 2010.
15/11/2010

Por:Clóvis Corrêa Luiz Júnior,Giovanna Carla Interdonato, Bianca Miarka e Márcia Greguol.

RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar qual a opinião dos mestres mais graduados em judô do estado do Paraná sobre a atual conduta dos judocas diante dos valores tradicionais da filosofia do judô. Para isso, foi realizada uma pesquisa de caráter qualitativo. A amostra foi composta por três senseis. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas. Os resultados demonstram que os senseis acreditam que houve grandes mudanças por parte dos atletas em relação à valorização da filosofia do judô. No entanto, eles enfatizam que existe uma pequena minoria que cultiva os valores tradicionais da filosofia do judô.
Palavras-chave: Filosofia, Judô, Tradicional

INTRODUÇÃO

Atualmente um dos assuntos que vem causando certa polêmica e que é dificilmente abordado é a questão dos princípios filosóficos do Judô, pelo fato de que a modalidade, na maioria das vezes, vem sendo vista e praticada apenas com caráter competitivo, esquecendo-se dos valores que abrangem esta arte marcial.
O objetivo do estudo foi investigar quais as percepções que alguns senseis apresentam sobre a aplicação atual dos princípios filosóficos originais do judô.
Com tal estudo será possível ponderar sobre como vem se tratando da parte filosófica que é parte fundamental do judô criado por Jigoro Kano (VIRGÍLIO, 1986).
JUDÔ: RAÍZES E CRIAÇÃO UM BREVE RELATO

As artes marciais foram praticadas no Japão durante o período feudal, como a lança, arco e flecha, esgrima e muitas outras. O jujutsu era uma delas, também chamado Taijutsu e Yawara. Era um sistema de ataques que envolvia projeções, pancadas, cuteladas perfurantes e lacerantes, estrangulamentos, cotoveladas, joelhadas e imobilizações do oponente, bem como a defesa contra esses ataques.

Embora as técnicas do jujutsu fossem conhecidas desde os tempos mais primitivos, até a última metade do século XVI o jujutsu não era praticado nem ensinado sistematicamente. Durante o período Edo (1603-1868) transformou-se numa arte complexa, ensinada por mestres de numerosas escolas (KODOKAN, 1994).

Um rapaz filho de imperadores japoneses como o nome de Jigoro Kano buscou no Jujutsu uma saída na qual pudesse desenvolver suas capacidades físicas e melhorar sua qualidade de vida, por ser um rapaz de porte físico fraco, por volta de 1,50m e 50 kg, e apresentar uma saúde debilitada. Kano tinha como principal objetivo aprender esta arte para resgatar o prestígio do país, que passava por fortes mudanças com a entrada da cultura estadunidense, e também tinha o propósito de utilizar a arte marcial para educar não apenas o corpo, mas a questão moral e intelectual do indivíduo. Ele possuía um senso crítico por ser um estudante universitário, o que foi importantíssimo para ele começar a fundamentar o seu aprendizado de jujutsu junto à ciência, tendo a base científica para fundamentar a arte que estaria para criar. Percebeu então que poderia realmente utilizar destas técnicas com pressupostos pedagógicos para trabalhar o caráter do indivíduo. Depois de algum tempo, no fundo de um templo, chamando eishoji, funda o Kodokan, (que “ko” significa divulgar, “do” significa caminho, doutrina da vida e “kan” é local), ou seja, local para divulgar doutrina da vida, onde começou a ensinar o Judô. Com isso Kano saiu totalmente dos padrões de nomes das academias de jujutsu que eram todos relacionados à guerra.

Nesta época ainda não se denominava Judô, então Kano conservou a primeira letra Ju de jujutsu e substitui o jutsu, que significa aprimoramento da arte, por do, que tem um significado amplo de caminho, como doutrina da vida, caminho da vida que o indivíduo deve seguir até a morte.

A filosofia de Jigoro Kano tinha como objetivo, de acordo com TAKAGAKI, SHARP, 1997) apud MIARKA, (2006), divulgar, através da arte chamada agora de Judô, sua prática em princípios filosóficos para torná-la um meio de aprimoramento físico, intelectual e do caráter, em processo de aperfeiçoamento geral do ser humano.
Para isto o Kano fundamentou a filosofia do judô em duas máximas e nove princípios, os quais caracterizam a verdadeira essência da filosofia judoística.

Virgilio (1986) comenta que, independente do objetivo com que se pratica Judô, tanto para fins recreativos ou competitivos, os princípios e a filosofia do judô devem ser constantemente embutidos em seus praticantes de maneira séria e responsável para que haja um progresso técnico e filosófico. Em 1938, em uma reunião do Comitê Olímpico em Cairo, Egito, com objetivo de levar as Olimpíadas de 1940 para o Japão, Kano ao ser entrevistado por um repórter disse que: “Judô tem toda característica de esporte competitivo, mas tem algo mais que é subjetivo, que é a essência do judô, que é formar caráter do indivíduo através da prática das técnicas; se incluírem o judô nas olimpíadas esta essência se perderá.”

O crescimento do judô em todo o mundo foi lento, mas constante. O impulso decisivo aconteceu nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 64, quando se tornou realmente um esporte olímpico de projeção internacional. A partir deste marco o Judô começou a se distanciar de sua filosofia e ser encarado apenas como uma forma de disputa. Logo, torna-se instigante investigar, pelo exposto, como os senseis mais tradicionais e graduados do estado do Paraná vêem este fenômeno atualmente.

MÉTODOS

Este estudo de natureza qualitativa teve por objetivo investigar a opinião dos mestres mais graduados em judô do estado do Paraná sobre a conduta dos judocas atualmente em relação aos valores da filosofia do judô. O método qualitativo possui a característica de ter como objeto situações complexas ou estritamente particulares. Pode não só descrever a complexidade de um problema, como também compreender e classificar processos dinâmicos de grupos da sociedade e, inclusive, contribuir para processos de transformação de certos grupos sociais. De acordo com Minayo (1994), a metodologia qualitativa é indicada ao reconhecimento de situações particulares, grupos específicos e universos simbólicos que, neste caso, vinculou-se à atual filosofia do judô na visão de mestres tradicionais desta arte.

O estudo foi realizado em duas etapas. A primeira foi a realização de uma revisão de literatura do tema em questão. A segunda correspondeu à entrevista que foi realizada através de um questionário elaborado pelos pesquisadores, o qual faz inferência ao tema questionado foi aplicado a uma amostra composta por três senseis, com idades entre 60 a 70 anos, com graduações acima do 7º Dan no Judô, todos portadores de diploma de nível superior e residentes no estado do Paraná.

As questões buscaram contemplar a temática e os elementos importantes a ela subjacentes sendo divido em três etapas:

1. Dados de identificação: Nome, idade, descendência etc.

2. História e trajetória de vida: “Com quantos anos se iniciou no Judô?”, “O que
significa a Filosofia do Judô para você?” etc.

3. Concepções dos senseis em relação à Filosofia do Judô: “Qual a sua visão da Filosofia do Judô em relação aos atletas atuais? Ela é praticada? Por que?”, “Quais os aspectos da filosofia do judô que o atleta pode levar para a sua formação e exercer seus direitos de cidadão ?”, etc.
Os dados obtidos foram analisados descritivamente por meio da Técnica de Análise de Conteúdo em que se tratou de descrever os conteúdos conforme análise que visou subtrair das comunicações, indicadores (qualitativos ou não) que possibilitassem fazer inferências de conhecimentos relativos às condições que permearam a emissãorecepção da mensagem comunicada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados mostraram que os senseis acreditam que a filosofia do Judô continua a mesma desde que foi criada, mas a maneira de como esta filosofia vem sendo transmitida e empregada se modificou bastante, em todos os segmentos, desde os professores de academia no processo de ensino aprendizagem até os dirigentes na questão organizacional. De acordo com um dos entrevistados: “Anos atrás a formação dizia muito sobre o judoca, de onde foi formado, se o sensei era bem conceituado, mas na atualidade leva-se pouco em consideração esta referência. Acima de tudo, tem que gostar da modalidade, abraçá-la e levar junto seu semelhante. O mais difícil no Judô atualmente é administrar as vaidades, as mesquinharias. Só então quando isto se modificar é que poderemos adotar a filosofia do judô na teoria e também na prática”.

Este fato corrobora com o estudo realizado por SANTOS et al, (1990), o qual teve por objetivo analisar o conhecimento dos judocas em relação aos princípios filosóficos do judô. De acordo com o estudo, os judocas disseram que possuem o conhecimento de que a filosofia do judô existe. No entanto, cerca de 74% dos entrevistados não sabia dizer nenhum dos princípios que são aspectos primordiais da filosofia do judô. Logo os autores concluíram que a filosofia do judô está perdendo sua ideologia e deram como explicação ao fato a metodologia de ensino que os técnicos estão utilizando em seus treinamentos, em que adotam como objetivo apenas o rendimento esportivo. É válido ressaltar que um fator que pode justificar o não conhecimento da filosofia do judô são as diferenças culturais entre o oriente e o ocidente. De acordo com o estudo de Borges (2003), a falta de conhecimento ocorre pela confusão entre espiritualidade e religião, dando margem a diferentes interpretações e não entendimento, principalmente quando ocorre a falta de embasamento teórico.

Desta forma, faz-se necessário que seja transmitida a filosofia proposta pelo criador Jigoro Kano com os significados dos conceitos, os princípios e as máximas judoísticas.

Quando abordados sobre os benefícios da filosofia para a personalidade do indivíduo, as respostas foram unânimes. Todos disseram concordar que ela realmente tem a contribuir para os atletas. “A filosofia do judô leva a refletir que judô não é a ‘poção mágica’ que possa trazer todas as melhorias, mas através desta arte marcial, da experiência pessoal, pode-se aconselhar e demonstrar que a filosofia que em qualquer atividade que venha a exercer, dar o máximo de si, usando a capacidade individual racionalmente para que venha trazer benefício para a sociedade em todos os segmentos da vida, pessoalmente, profissionalmente, contribuir para a sociedade em todas as áreas que um judoca atua, sendo o melhor possível”.

De acordo com os senseis entrevistados, o judô atualmente vem sofrendo mudanças em todos seus aspectos principalmente os relacionados aos valores judoísticos fato este que eles atribuem principalmente ao caráter competitivo do esporte atualmente.

Para eles o judô nunca deveria ter sido olímpico, “aprimorou-se a prática e se esqueceu da filosofia e dos valores”. De acordo com a fala de um deles, um exemplo disto: “Em competições atualmente mal fazem esta saudação, e não se pode deixar a área de combate antes de saudar o adversário, mas o que se vê é atleta saindo correndo, comemorando, indo abraçar pai, mãe, namorada etc. O árbitro não pode arrastar o atleta de volta e abaixar a cabeça do atleta, então é preciso que sejam ensinados os bons modos”.

Quando perguntado sobre o que fazer para reverte esta situação, os mesmos disseram que: “A filosofia não pode ser mudada, mas pode ser adaptada à realidade da sociedade em que se vive, porém a essência de formar bom cidadão não deve ser modificada”. De acordo com os senseis, este processo de descaracterização do judô é dificilmente reversível e seria necessário que as federações e confederações se conscientizassem e buscassem alternativas para tentar modificar esta realidade.

CONCLUSÃO

Pode-se notar que os senseis mais graduados acreditam que houve grandes mudanças no modo de ensino da filosofia do judô, principalmente pela modalidade ter sido transformada em esporte mundial, em que se visa principalmente o rendimento técnico e se deixa de lado a essência do judô. Acreditam também que o processo é muito difícil de ser revertido e que caminha para uma divisão entre Judô Competitivo e Judô Tradicional, porém ainda crêem que existem muitos judocas que praticam o verdadeiro Judô, apesar das mudanças ocorridas nos últimos tempos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BORGES, E. O judô e suas simbologias ocidentais. Disponível em: http.www.judobrasil.com.br. Acessado em: 2 de junho. 2003.
CARVALHO, Mauri. Judô: a arte de educar para enfrentar. IN: PALESTRA “JUDÔ: ÉTICA E EDUCAÇÃO”. 2006, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: II Módulo de Estágio Técnico da Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro, 2006
DEL VECCHIO, Fabrício Boscolo; MATARUNA, Leonardo. Jigoro Kano e Barão De Coubertin: nuances de um pré olimpismo no oriente. Capminas, 2003.
DRIGO, Alexandre Jonatta. Reflexões sobre a História do Judô no Brasil: A Contribuição dos Senseis Uadi Mubarac e Luis Tambucci. ______, 1997.
KODOKAN. What is Judo? 4ª ed. Tokyo, 1956.
LASSERRE, Robert. Judô: Manual Prático. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1975.
MIARKA, Bianca. Efeitos de Diferentes Ações Musculares Pré-esforço na Realização do Special Judô Fitness Test. 2007. Monografia (Especialização Lato sensu em Treinamento Esportivo) – Universidade Estadual de Londrina.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento científico:Pesquisa qualitativa em saúde (2a. ed.). São Paulo: Hucitec-Abrasco 1994.
RUAS, Vinícius. Os Admiráveis Samurais e a Etnografia de Jigoro Kano. Rio de J aneiro, 1997.
SANTOS, Saray Giovana. Judô: Onde Está o Caminho Suave?. Revista Brasileira de Cineantropometria & Desenvolvimento Humano, Florianópolis, n. 1 Vol. 8, 2006 SANTOS, Saray Giovana; MELO, Sebastião Iberes Lopes. Os "ukemis" e o judoca: significado, importância, gosto e desconforto Revista Brasileira de ineantropometria
& Desenvolvimento Humano, Florianópolis, n. 2 Vol. 5, 2003 SANTOS, Saray Giovana. et al. Estudo sobre a Aplicação dos Princípios Judoísticos na Aprendizagem do Judô. Maringá, 1990.
SILVA, Daiene; SANTOS, Saray Giovana. Princípios filosóficos do judô aplicado à prática e ao cotidiano. http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Ano 10 - N° 86 – julho. 2005.
TICHENOR, Clyde. The Philosophy of Judo. Encimo Judo Club, 1999.
VIRGÍLIO, Stanley. A Arte do Judô. 2ª ed. Campinas: Papirus, 1986

Divulgação Judo Familia Fontes

Fonte: Elton Silva

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